certidão de nascimento
certidão de nascimento é o nome do episódio do podcast da rádio novelo que me fez ter que parar um (ótimo) treino de corrida na esteira (!) para fazer uma coisa inusitada: gargalhar. aparentemente, a personagem 23/24 da isadora agora ouve podcast — eu nunca entrei nessa trend, mesmo produzindo e apresentando um eu mesma durante dois anos, risos — e, em meio a muita (muita) coisa mediana, fica maravilhada quando uma horinha de gente conversando e fazendo um jornalismo gostosinho e divertido, como dá pra ser, relembra que um dia ela gostou de gente e de histórias.
tentando não dar muito spoiler — mas vai ter spoiler, se acalmem — a primeira história contada nesse episódio é sobre duas irmãs gêmeas, já idosas, que podem OU NÃO ter sido trocadas no nascimento. hihi. é isso mesmo: pode ser que tenha acontecido uma situação em que quenhera celma foi identificada como célia, e vice-versa, ou não, e nunca saberemos. ao longo do episódio, algumas outras camadas de confusão são propositalmente adicionadas, inclusive com doses de astrologia!!!!, e a gente termina sem saber, mesmo. célia e celma também não sabem. e fazem piada disso.
e foi isso que explodiu a minha cabeça AND me fez gargalhar.
(o que, convenhamos, já considerei um ótimo presságio para 2024, já que as coisas que vinham explodindo a minha cabeça até agora só me faziam ter crises de ansiedade e passar dois dias chorando.)
elas não sabem se foram trocadas no nascimento, elas também não têm exata certeza sobre quem é celma e quem é célia, e elas passaram 80 anos da vida — e eu espero que passem muitos mais, que gente daora célia e celma, puts! — fazendo piada com isso. pra além das já tradicionais troças que pessoas gêmeas idênticas podem pregar nos outros, e elas pregam com maestria, o grande lance do episódio (pra mim) é que, na verdade, não importa quem é quem. ou talvez: não importa pra nenhuma delas ser quem esperam que elas sejam. ou quem esperam que elas não sejam.
aí vocês vejam: eu, bem no meio do meu burnout de personalidade, tentando desesperadamente fazer uma colagem de quem eu sou, buscando incansavelmente reconstruir a minha personagem, escavando os recônditos da minha memória pra entender o que é que me constitui, me deparo com isso: na real, não importa. porque a gente simplesmente tá aí, sendo, e a vida meio que é sobre isso.
bom.
será que é isso: meio que não importa quem você acha que é? ou o que você está tentando ser? tipo, não pro mundo, pro mundo foda-se, mas pra gente, mesmo: e se a gente (eu) não passasse todos os dias da vida (eu) tentando incansavelmente ser (eu) alguma coisa pré-definida (eu) baseada em conceitos estabelecidos por mais ninguém (eu) além da gente mesma (eu de novo)? sei lá, o bom de estar ficando velha amadurecer é que eu sinto que já testei esse caminho por tempo suficiente pra perceber que ele é insustentável; essa corrida por uma coerência ilibada, essa busca por certezas definidas, essa concretude do caminho, até — que, eu sei, vieram muito de uma necessidade urgente de ter que dar certo porque não existia (e ainda não existe) outra alternativa —, leva a gente à loucura ou, no mínimo, à completa exaustão de nós mesmas.
e nossa, que cansaço. hoje, com a pontinha do nariz pra fora d’água desse processo lamacento, eu consigo enxergar com um pouco mais de clareza que o motivo do meu colapso foi esse e que, vejam só, existe certa beleza em não saber bem quem se é. ou em não saber n-a-d-a, imagina? sei que depois desse tempo todo buscando o material da qual eu era constituída e mais tanto outro tempo validando com afinco esse personagem, repetindo rotinas, alimentando meu ego e as demandas de vocês, eu cansei. o que, me parece, é o que mais ou menos todo mundo faz na vida mesmo. mas ajudou que no meu caso eu resolvi transmitir esse processo pessoal na rede internacional de computadores? não ajudou. me trouxe (entre algumas outras neuroses) um ranço autodirigido, uma raiva direcionada pra mim mesma, um horror. a autoestima, coitadinha, parecendo uma alcaparra murcha, um buraco profundo e feioso — e que esse eu nem quero começar a decorar.
em tempo: a segunda história trazida nesse mesmo episódio é tão bacana quanto a primeira. ouçam mesmo!
aonde eu quero chegar? provavelmente a lugar nenhum — tomara! o desenho da personagem 2024 que foi finalmente entregue pela minha equipe de marketing é uma mistura de luana piovani com mariah carey e eu sei que muita gente vai ler isso daqui com ironia, mas não é. de verdade. um tantinho delusional, a autoestima lá em cima, muito mais vamo fazendo do que pensar o que vai acontecer se eu fizer? ainda tenho muita raiva do que fizemos com a palavra empoderada ao longo dos últimos anos, mas que seja então algo como vestida de si, sabe: um armário enxuto, mas eficaz, divertido e que dá pra brincar com as peças entre elas — e se não der também, a gente vende e compra outro.
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engraçado que eu ouvi o episódio do podcast que conduziu esse texto todo no comecinho do mês/ano e passou, e aí semanas depois, durante uma leitura, me deparei com issaqui:
“e depois tem a história genial de mark twain, que um dia contou numa entrevista que havia tido um irmão gêmeo, Bill, cuja semelhança com ele era tão grande que ninguém podia distingui-los, por isso amarravam cordões coloridos nos seus punhos para saber quem era quem. mas um dia deixaram os dois sozinhos na banheira e irmão se afogou. e como os cordões haviam se soltado, “nunca se soube qual dos dois tinha morrido, se Bill ou eu", explicou twain placidamente ao repórter. a história foi publicada e reproduzida diversas vezes, mas obviamente era inventada: aquele gêmeo nunca existiu — embora seja uma maravilhosa metáfora da dissociação do escritor, e acho que dizia muito sobre o próprio mark twain, autor cujo nome, aliás, é um pseudônimo (o que já evidencia certa predisposição à dualidade).”
— rosa montero, em o perigo de estar lúcida (que é isso tudo que estão falando por aí mesmo e, com certeza, vai voltar a aparecer aqui)
quer dizer.
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esses dias encontrei com a minha melhor amiga do colégio (!), alguém com quem não conversava direito há sei lá, quinze anos. naquelas recapitulações editadas que fizemos da vida nesse tempo, depois de eu dizer que eu estava cansada de (ter que) mudar tanto e confusa com tanta mudança, mas até que satisfeita, ao que ela respondeu:
— mas é claro, você nunca teve medo de nada, mesmo, Isa.
então cês sabem, né.
tenho lido muitos textos sobre metas de ano novo e cheguei a duas conclusões (por quê?): 1) as pessoas voltaram a se permitir ter metas para ano novo, depois de uns anos só se esforçando pra se manterem vivas; 2) aparentemente quando a gente pode ter algum horizonte de futuro em aberto, entramos num modo “então eu vou me privar". ou então “eu vou provar pro mundo-pra mim que eu posso me privar". ou então “eu vou provar pro mundo-pra mim que eu posso fazer algo compulsivamente todos os dias mais de uma vez por dia sempre”. de onde é que a gente tirou esse comportamento levemente complicado de ser radical com as coisas: cortar definitivamente, fazer todos os dias, virar abstêmio, ser a gracyanne (autocrítica)?
outro formato já mais legal que vi por aí (num post da anna victória e na newsletter da stephanie noelle, e depois em outros lugares) é o de ins and outs, ou vens e vais para 2024. achei bonitinho, engraçadinho, com o tom da internet irônica e sutilmente introspectiva que a gente tinha há uns 10 anos. quase como uma carta de intenções. gostei:
vem
escrever com mais assiduidade, aqui e/ou em outros lugares.
olhar pra minha casa como meu projeto artístico que sempre foi.
comprar mais flores.
ser mais cuidadosa com aberturas e convites — especialmente os que eu faço.
roxo e laranja.
estar fisicamente presente onde me interessa.
exercício físico 5 vezes na semana, sempre (ala).
sobre música: ouvir, dançar e fazer, sempre que der.
pedalar mais no dia a dia, me locomover de bicicleta.
enfim também aprender a dirigir. acho.
passar mais tempo de qualidade comigo, sozinha.
voltar a ler e a estudar. (descobrir o que eu quero estudar, de novo).
e ler os livros que eu já tenho: a cada 3, pode um novo.
me arrumar bonita, mesmo pra ficar em casa/trabalhar.
vai
oferecer ajuda quando eu não posso ou quero.
cartão de crédito.
e compras virtuais.
instagram como rede social — de foto eu gosto, vai.
comparação.
conjuntos de calça e camisa iguais.
seguir quem me faz mal.
aquela maravilha abominável que é o yopro, afe.
paralisar com a raiva
(y direcionar a raiva pra mim mesma).o esforço pra deixar todo mundo-todo mundo sempre muito confortável.
e a risadinha desconfortável que vem junto daquele gelado no estômago.
azar o delas se te acharem cuzona.
inclusive, não deixar gente cuzona se sentir confortável.
trela pra intriga, também. fofoca pode, óbvio.
te entrego:
dizer pra vocês que eu conscientemente decidi assistir saltburn e eu conscientemente gostei muito de saltburn. é uma obra prima da sétima arte? graças a deus que não. mas achei divertidíssimo, irônico, feioso e levemente incômodo (não o suficiente pra escrever só sobre ele, ainda bem), além de trazer ótimas nudes e uma grande nova música pra dançar pelada. fora a realização visual do meus sonhos mais violentos com certas pessoas que têm transformado a minha vida em puro ódio e autodesprezo. 10/10. a taize também gostou.
ano passado eu li, chorei e indiquei à exaustão o texto da vanessa guedes, ano que vem, não vou emagrecer, e volto aqui esse ano pra avisar que eu mandei fazer alguns outdoors com o novo texto da vanessa guedes, no ano passado, eu não emagreci. e aí?, espalhados pela cidade:
Ser mulher geralmente envolve ter uma vida dupla. Você vive sua vida normalmente, como todo mundo, mas em paralelo vive outra, na sua mente, onde revisita algo que se desenrolou ontem e imagina “como isso teria acontecido se eu fosse magra”. Poucas minas da minha idade se sentem magras o suficiente. No mês passado eu fui a uma loja de departamentos, determinada a encontrar uma calça jeans de cintura alta a um preço acessível — desde que passei a viver de bolsa estudantil, não tive mais dinheiro para comprar em lojas decentes, eco sustentáveis etc e os brechós raramente tem calças de corte justo em tamanhos grandes — e encontrei lindos jeans XL onde minha bunda ficou maravilhosa, mas cujo último botão não fechou de jeito nenhum. Tampouco eu conseguiria andar vestindo calças tão apertadas. Foi quando, olhando para o espelho, eu pensei “se eu fosse três quilos menor, isso já estaria resolvido”. Veja bem, eu sequer tive a ousadia de desejar 10 ou 20 quilos a menos. Apenas três. E é relativamente fácil expurgar essa modesta quantidade de gordura e água do corpo.
li tantas edições bonitas das newsletters das amigas esses tempos, e das indicações delas também vieram tanta coisa boa. tem esse breve relato de viagem: ilha de superagui, da luisa, no doses de tiquira (especialmente o parágrafo sobre cataia e tiquira <3); tem essa edição do ano passado da nevoeiro, da carol bensimon, sobre a ideia de bissexualidade como narrativa, que a lu indicou e bateu aqui; tem também esse bonito e, bom, sintético, observação de pássaros, feira livre e muitos sonhos juntos, da babi, que escreve de um jeito tão diferente e impossível e mágico pra mim.
estou completamente pernambucarnavalizada e em estado de alceuvalença, mas pra além disso, acho que posso bater o martelo que essa é uma das minhas músicas favoritas da vida: eu imagino um peixinho de mala de couro na nadadeira, chamando um taxi amarelinho que, quando chega, entrega pra ele um capacete de astronauta. não faz todo sentido?
e a roxinha, artista de alagoas:
dona roxinha e jacob elordi, tudo pra mim!
os vens e vai foram maravilhosos.