deitada no chão em cima do rolo de liberação miofascial, olhando as plantas da minha casa se espalhando sem nenhum controle sobre as portas e as prateleiras. tem uma que atravessa toda a sala, um único galho, de seu vasinho tão pequeno chega do outro lado ainda bem verde limão, viva.
liberação miofascial, caso você não saiba, é uma técnica manual usada para aliviar tensões nos músculos e no tecido conjuntivo que os envolve, que se chama fáscia — esse nome tenebroso. é tipo uma massagem forte, bem forte, que tem como objetivo soltar aderências, melhorar a mobilidade e reduzir dor muscular, especialmente depois de você ter feito algum esforço físico repetitivo ou intenso. no meu caso, o crossfit e a ansiedade, à exaustão.
a liberação pode ser feita com as mãos ou com acessórios como pistolas, bolinhas e rolos, desses que eu estava deitada em cima sentindo dor enquanto olhava as plantas da minha casa se espreguiçando. parecem ser felizes, as plantas, depois que mudei pra esse andar mais alto há mais de dois anos, como se gostassem de olhar pra fora e ver o céu. eu gosto.
dói, sim, dói bastante. existem vários e vários vídeos na internet de um bando de marmanjo se estrebuchando de chorar enquanto recebe a tal da massagem — mais legal quando é de uma mina do meu tamanho, mais ainda se envolve cotovelos. é uma dessas coisas que eu ouço com frequência que deusmelivre, mas que me alivia de um jeito que coisa nenhuma tinha feito antes. tem vezes que até escorre a lágrima. especialmente quando parte das manobras envolvem pegar meu corpinho inerte e alongar.
ninguém mais fala alongamento, aliás, já percebeu? agora é mobilidade. não sei se faz parte do rebranding da ginástica que agora é atividade física ou se tem alguma explicação científica, mas eu particularmente detesto. provavelmente você não vai conhecer alguém com menos alongamento do que eu — só se você por acaso você cruzar com a senhora minha mãe por aí — e, porra, eu sou móvel mobilizada mobilete, o que eu não tenho é flexibilidade, entende? eu preciso de exercício (e paciência) pra ser menos travada, e não para me movimentar. o que me restringe é não ter espaço, perceba (entre fáscias e músculos, não é uma metáfora, sai daqui).
tem também que é uma chatice sem fim fazer exercício de mobilidade, como todo mundo já sabe, embora você e todos os vídeos de 30 segundos do instagram vão me buzinar que é essencial também. eu treino — não faço exercício, eu treino, eu sou jovem — para ficar forte, não flexível, quando certamente deveria ser o contrário. deve ter uma frase de instagram sobre isso também. mesmo quando todos os indícios físicos, emocionais, inconscientes, metafóricos, ontológicos e agora, psicanalíticos, me dizem que eu deveria alongar esse ombro umas três vezes por dia, no mínimo. e os posteriores de coxa, que inferno.
semana passada inclusive eu fiz três sessões teste, sessões de entrevista, sessões beta pra começar meu processo na análise. praticamente a mesma coisa: deitada no chão da minha sala me forçando a sentir dor falando sozinha, heh. três vezes, o mesmo script, eu fazendo um catadão dos últimos trinta e seis anos com destaque pros principais eventos traumáticos. e sua mãe? kkkkk tão óbvio. agora eu tenho que escolher entre a analista da flea bag, que me dá arrepios e uma repulsa imediata, e a descolada inacessível, que eu estou obcecada em conquistar — vocês não precisam me contar nada, eu já sei. (o outro eu descartei antes de fazer caber no texto).
meus critérios de escolha, até agora, são: a primeira eu vou odiar, mas vai fazer efeito; a segunda eu vou querer ser amiga. e tem que doer pra funcionar, não tem?
como tudo que é bom e me faz bem, uma sessão de liberação miofascial também é cara, bastante cara, fora do meu orçamento, e eu acabo procurando esse conforto só quando meu corpo já pediu arrego de tanto relaxante muscular. mais de uma vez eu disse em voz alta que estava me sentindo maior quando saí da sessão (de massagem, não de terapia). mais alta, mesmo, também não é uma metáfora. se acalme.
e daí que tem também um fenômeno fisiológico que acontece com as plantas que chama estiolamento. é quando ela se estica muito em direção a encontrar alguma luz — melhor dizendo, quando, ao crescer em ambiente com pouca ou nenhuma luz, a planta desenvolve características como alongamento excessivo do caule, folhas pequenas e a falta do pigmento verde. então quando você olha praquele cactozinho que comprou na feira e o bichinho tá fino e comprido e cê tá toda orgulhosa mãe de planta do ano olha que grandão, pode ser só que ele esteja em sofrimento, procurando desesperadamente por alguma alegria de vida. indica estresse por ausência de luz adequada.
aprendi sobre estiolamento em algum dos livros de jardinagem que já editei na vida, num passado não tão longínquo em termos cronológicos e ancestral do ponto de vista do PPT do Trauma que eu apresentei na semana passada. eu já cultivava uma pequena floresta em casa e, confesso, não mudei muita coisa por ter tido contato com esse conhecimento específico.
a gente entra num acordo, eu e os outros seres vivos dessa casa, que todo mundo se ajuda a ter uma rotina simples e funcional. forte e flexível. raramente adubo, só quando lembro, não troco de vaso, rego religiosamente nos mesmos dois dias da semana, ainda que uma ou outra delas peça um cuidado especial ou menos água. a gente se adapta. mas desde então, vira e mexe me pego pensando se as plantas aqui de casa crescem tanto assim é de alegria ou por falta dela.

agora eu tenho uma nova nóia referente as minhas plantas. será que elas tão felizes ou só muito desesperadas? socorro
adorei a parte do alongamento/mobilidade/flexibilidade! eu preciso é de flexibilidade. e sim, essa é uma metáfora! beijos e obrigada por mais esse texto lindo!