percebi numas fotos, esses dias. estou miseravelmente bonita. eram registros de dias felizes, com ainda alguma tristeza dos últimos tempos que estão se mantendo menos ensolarados do que de costume a essa altura do ano. pelo menos por aqui. não é como se não sorrisse, também: só parei de usar os dentes; o que deixa o desenho da minha boca bonito, contornado, reforça a covinha que a magreza me trouxe e eu gosto.
eu sempre olhei com admiração e inveja as mulheres que sabem fazer aquela expressão que falam carão: qualquer coisa neutra, blasé, um pouco enfezada até às vezes, com ar sensual e misterioso. sério. eu sempre sorri abertamente (e nas fotos) e antes que continue com uma lista de apesares — dos dentinhos pequenos, da bochecha saltada, de lado, da papada evidente, do convite pra entrar — era também um motivo de orgulho. tudo isso, sim, e também esse convite pra entrar.
nunca consegui fazer carão. talvez porque eu reconheça na minha imagem tudo o que escapou da tentativa deliberada de parecer apenas não se importar: cara de brava, cara de triste, cara de merda, agora feia. talvez eu só seja bonita mesmo assim, sorrindo. e mostrando os dentes. dormindo, eu sei, não funciono, chorando também não (já testei). séria, tenho mais provas do que gostaria graças às horas intermináveis de reuniões com duas telas: definitivamente não.
pode ser que eu também ache as outras sensuais, bonitas, neutras, misteriosas e/ou blasés porque não saiba como são bravas, tristes ou com vontade de cagar. então não faça a relação. pode ser que elas também não se achem bonitas, neutras, misteriosas, e reconheçam a cara de merda ou de choro no próprio carão. pode ser. deve ser. pode ser que todas as vezes que me olharam de cima abaixo — tem uma palavra, escrutínio, que descreve com som a sensação ao mesmo tempo gelada na espinha e a quente na nuca —, medindo cada centímetro da minha inadequação e deixando exposto meu corpo forasteiro também projetassem suas próprias inseguranças. deve ser.
ainda assim, eu sempre usava os dentes. sorrir como quem abaixa as armas, convites pra entrar. na reação pelo embate, aliás, também não é como se fosse tão (muito) trouxa quanto parece: eu sempre mostrei os dentes, fosse no berro ou na gargalhada. esses tempos, notei, sequer me passa pela cabeça. faço o caminho reverso pra chegar na origem daquela frase quase alienígena: esse problema é dela, e não meu. prontamente, eu tenho uma lista de problemas meus pra oferecer, uma tese de doutorado, o powerpoint do dellagnol. se me pedir agora, eu te dou! se me olhar agora, eu entrego.
eu sempre mordi grande e não mastiguei o suficiente; sempre abocanhei mais do que podia processar. reclamava que era tanto, muito, um exagero, mais do que você dá conta, transbordo, incontinência. percebi esses dias que assisti o show inteiro de braços cruzados e cotovelos alertas. que eu não aceitei o convite pra dançar. que passei a ter medo de trovão (desculpa, vó, me desculpa). percebi esses tempos que me encolho quando os arrepios, que estou miseravelmente bonita e que parei de usar os dentes.
te entrego:
se eu não puder brincar, não é minha revolução: barbie, barbarella, donna haraway e seus ciborgues de carne e osso, da sempre ótima vanessa guedes, e uma vontade de assistir jane fonda gemendo até esquecer da vida.
"sim, porque eu nunca fiz isso antes", um ensaio sobre "proteger sua paz" (ou não), da isa sinay, e mais uma vontade de filmes não vistos.
uma lista dos melhores lipsyncs de todas as temporadas de ru pauls drag race; rupaul a gente está precisando tanto de uma nova temporada disponível nas plataformas que a gente já assina, por favor senhora, faça alguma coisa.
ainda vou escrever sobre treinar, é claro, mas esse texto aqui é uma obra prima: a história de quando comecei academia e descobri a alma humana, do marcos cândido.
esse vídeo bonitinho do gustavo nalva que apresenta o palácio das princesas e um pouco da história da brenda lee. e aí vale mergulhar nas fontes do vídeo e, dentre outras coisas bonitas e importantes, cair nessa entrevista aqui:
como john travolta virou boneco e estrela do carnaval de olinda por várias gerações deus me defenda de compartilhar matéria da folha de são paula, mas eu fiquei obcecada com isso? fiquei e também:
Mas e sua semelhança com o verdadeiro Travolta? "Não se parece nada com ele," diz o homem que fez o boneco há mais de quatro décadas, Silvio Botelho, de 65 anos, em sua oficina à sombra de uma mangueira. O rosto de argila e papel machê se transformou ao longo do tempo, deixando os olhos um pouco desalinhados. "A umidade tomou conta," ele disse. "Tudo está deformado." ❤
a letra de mão da patti smith me quebrou em novecentos pedacinhos de amor:
tou querendo muito reativar a skin estudante e fazendo uns cursos livres por aí, dos mais diversos assuntos (todos eles graçasadeus desconectados do trabalho). nessas me deparei com os gratuitos da pina e os pagos, mas ótimos, do masp — este arte cuir, resiliência e contracolonialidade, com o kleber amâncio, tem sido muito bacana.
nesse curso, estou conhecendo a obra da jota mombaça mais de perto, e sigo cada dia mais espantada. replico aqui a indicação do professor e seu podcast gargalheira, com a entrevista com a artista, e tantas camadas e possibilidades de reflexão que eu ainda vou ter que ouvir mais umas vezes.
aliás, se tiver algum curso que achar que tem a minha cara, me indica?